Saturday, November 11, 2006

O fim do neoplasia existencial – Parte II

No post anterior, são visíveis as razões porque começa e porque acaba esta neoplasia existencial.

«Senti necessidade de projectar, derramar, inundar-me sem a tentação da protecção», foi assim que comecei a minha aventura de one-blog- girl há precisamente um ano. Quis pessoalizar, intencionalmente, sem me proteger. Assim foi. Hesitei por ter abusado do “eu” e do “tu”. Mas porque haveria de ser diferente no momento do fim?

O objectivo, como aqui se vê, é aprender a perder, encarar a dor de frente, torná-la não gloriosa, mas gratificante, morte como parte da vida que nos faz crescer, sair de nós próprios. Se não doesse, não seria perda; se não perdêssemos, nada teria valor. É a hipótese da perda que nos faz ser vigilantes. E este blog vem daí, da necessidade de extrapolar a dor, para que pudesse ser insignificante. Na esperança que, amplificada à sua maior potência, gere habituação e passe a ser gerível.

Um blog é mesmo uma estranha forma de vida. É um espaço essencialmente egocêntrico, por vezes excessivamente catártico. Era o que eu precisava, um espaço virtual, irreal e ilusório (e, ainda assim, tão pleno de essência), que me fizesse verter o que sentia que me inundava, não me sentindo apta para o derramar de outra forma.

O “meu blog” acabou por ser mantido, igualmente, por razões colaterais: amigos espalhados pelo mundo que, de repente, conseguem partilhar os meus dias mais de perto. Funcionou também como aquele pedaço de cortiça onde se colocam bilhetes de espectáculos, de metro, de comboio e avião; onde se colocam as fotografias do maior sorriso do mundo, de uma tarde carregada de nuvens e a ameaçar chuva, de umas escadas com folhas de plátano…que se partilham com quem não se conhece - para mim, uma novidade. E, por ter tido altas concentrações de mim própria, este blog permitiu que quem me-conhece-mas-não-me-conhece-as-entranhas, eventualmente tenha agora um manual de instruções. E, talvez assim, compreender. Dei voz a outros lados de mim que alguns não conhecem, por manifesta incompetência, pura e simples…just like vodka.

Antes de encerrar este blog, pedi a algumas pessoas que escrevessem um texto, ao jeito de quem vem a minha casa e traz uma garrafa de vinho para o jantar. Alguns conseguiram fazê-lo a tempo, outros nem por isso. Aos primeiros agradeço o privilégio; aos segundos agradeço o esforço e a intenção, mas não quero esperar mais.

Este blog nunca mais será mais eu do que o é agora. E por isso termina. Porque “o coração, se pudesse pensar, pararia." (Fernando Pessoa/Bernardo Soares “Livro do desassossego).

E, a todos que por aqui passaram, 4000 e tal visitas depois, do burgo de pedra cinzenta à solarenga varanda da nação, da Veneza portuguesa à terra onde não há bom vento nem bom casamento, da Londres como berço desejado aos Estados nunca Unidos, do nosso ex-país onde aprendi que viver é simples, ao ponto do planeta onde o Ocidente se mescla com o Oriente...

Até um dia…vemo-nos por aí!

O fim do neoplasia existencial – Parte I

Aceitei.
Haverá sempre uma parte de mim que não esquece.
Nestes últimos dois anos, senti o peso imaginário dos teus braços à minha volta, acordei à hora de sempre para uma chamada que já não acontece. Repeti na minha cabeça diálogos que já não tinham eco real. Tive sonhos de contornos passados, bebi de tudo e de nada, mas coisa alguma me tirou a sede de ti.

Tentei de tudo: o mutismo e a vulgarização do contacto. Ser tudo menos “ex” e ser ex- tudo. Tentei limpar-te a memória, tentei abrilhantá-la. Tentei a culpa, para que nunca mais ganhasse vergonha na cara para te ver e, em vão tão descontente, tentei a raiva da vítima - para que o meu coração apodrecesse de tal forma que nunca mais fosse capaz de amar – a ti ou a qualquer outra pessoa.

De ti já carreguei o negro do ódio, por não conseguir engolir o sabor da incapacidade de ligar dois mundos. O resultado, durante tanto tempo com intervalos intermináveis, foi uma zona cinzenta tão paradoxalmente cheia de cor, de saltos no abismo e lutas no precipício, onde só aí me aprendi a encontrar. Dizias tantas e tantas vezes, num olhar esgueirado abraçado a uma guitarra: a vista da montanha russa é a melhor.

De ti já enchi a cara de lágrimas e sorrisos, plena de uma emoção mórbida que nos foi matando aos dois. Quanto mais golpes sofria, mais de mim te dava; quanto mais te tirava ao mundo, menos te guardava para mim. Levaste-me contigo e deste-me uma vida para viver, e senti que o meu lugar no mundo era quando me protegia dele, escondida no teu peito.

Estou certa: não seria o que sou hoje não fosses tu. És como um acidente ao qual não se pode escapar ileso. Nos instantes antes e depois, tudo surge mais nítido, e sempre – sempre! – mais vívido. Depois do acidente há a névoa, surgem as feridas, mas nada se compara à sensação que te coloca o corpo em transe, a mente noutra dimensão, a vida que te corre nas veias e não pára.

Aceitei. E aceitei o conformismo da minha decisão.

E a crítica a que tal me expõe. Diante de ti, estou como sempre: numa espera de mil compassos. Uns passam rápido e, vá lá, até me dizem que tomei a decisão que podia. Outros, muitos outros, passam lento, como uma morte longa e angustiante.

Aceitei. Aceitei que és sangue nas minhas veias. Que não tenho como parar-te em mim.

Mas a verdade é que a vida continua. Nestes últimos dois anos, a minha necessidade de continuar a dizer-te o que corre na minha vida e nas minhas veias foi enorme, ao ponto de me disciplinar num contexto em que o anonimato é ajuda numa solidão ilusória, um espaço virtual onde poderia continuar a mostrar-te a minha vida como ela corria, dia após dia. Não quero glória por isso, foi superior à minha vontade. Se o lado direito do meu cérebro mandasse mais do que o esquerdo, não o faria. Mas a única razão pela qual continuei esta estranha forma de vida foste tu. A única forma possível de continuar a partilhar os meus dias contigo.

Hoje termina. Não porque a vontade tenha desaparecido. Não porque já não queira partilhar. Corres nas minhas veias e sei que isso não terminará nunca. Para o bem e para o mal.

Mas a minha vida, decidi, vai continuar. Não sei o que será, talvez haja uma razão qualquer, um desígnio insondável, para o tudo ter esbarrado violentamente no nada, esmagando-nos pelo meio. Talvez cada vez que ouça uma linha de baixo reveja, em lentidão, a tua altura. Talvez cada vez que sinta um traste de guitarra nas minhas mãos, sinta a parte de ti em mim que ficou. Talvez por isso ela está encostada a um canto, intacta. Tenho que deixá-la quieta.

“Talvez, de facto”, me console no caminho da normatividade. “Talvez, de facto”, me junte ao exército de soldadinhos cinzentos, que casam porque sim e têm filhos porque…acontece. “Talvez”, ainda, “de facto”, fique também siderada com o crédito para a compra da casa maior, a cozinha miele e o écran de não-sei-quantas-polegadas. “Talvez”, e porque não, invente dores de cabeça e alegue insónias para dormir noutro quarto. Talvez, muito provavelmente, tenha de me sentar na cama do meu filho e dizer “a mãe e o pai continuam amigos e a gostar de ti, mas agora cada um viverá na sua casa”.

E, “talvez”, no dia em que eu tiver a certeza que o caminho do dever está esgotado, que saber onde durmo e onde acordo não me dá conforto que chegue, então talvez tenha chegado o dia de perguntar pela última vez onde estás e simplesmente…chegar.

Quanto mais escrevo a palavra “talvez”, mais sinto que é uma certeza. Do género das tuas certezas: ambíguas, ditas com a convicção de quem nada tem por adquirido. Sei, ainda assim, que cá estarei para o que houver a viver. Mais uma vez, sem certezas, cheia de “talvez”, de “ mas “ e de “ses”.

The original soundtrack for this post is “Keep Breathing” – Ingrid Michaelson

Tuesday, November 07, 2006

Elaine Ling


"Abandoned, namib desert"
Silo - Espaço Cultural

Tuesday, October 31, 2006

M.A.N.O.

Hoje é o dia em que voltas ao mundo. É uma ilusão torpe achares que foi tudo feito progressivamente. Não vai ser, não é. Nunca fomos de meias-tintas, somos mais o drama do "tudo ou nada". E hoje voltas ao mesmo mundo que te cuspiu num acidente há muito anunciado. A sensação de incapacidade em mim é evidente. Talvez a mesma que um dia sentiste em ti, quando um registo de Hospital fez soar todos os alarmes.

O estúpido de tudo isto é que, revendo a cronologia dos actos, o enredo tinha uma cena final previsível. O nosso filme, questões geracionais à parte, é o mesmo. Na terra do Peter Pan, onde ambos vivemos, o trabalho não é preciso, as madrugadas é que contam, o álcool e sabe-se lá mais o quê só servem para distorcer uma realidade que por si só já é bem torcidinha por nós. Mas só isso vale.

No fundo somos uns putos. Incapazes. Emotional cripples. Que se mentem a si próprios. Que criam uma realidade, projectam-na em sessões de holograma que os outros engolem de bom grado. Porque sabemos bem o que querem, valha-nos isso. Vêm-nos com as brechas pelas quais deixamos os outros espreitar. Alguns deixamos entrar; poucos, como convém. Não vá a mentira ser constatada por todos.

A mentira de que afinal somos só uns putos. Peter Pans eternos. Que vivemos para os outros, não por um qualquer tique altruísta, mas porque somos apenas incapazes de viver para nós próprios. Porque achamos que não vale a pena. Porque achamos que não merecemos.

E então acordas agora para a vida. Sais do coma (ironic, isn’t it?) para te voltares a ver ao espelho que evitamos há demasiados anos. É como a alegoria da caverna que estudamos até à exaustão (que é como quem diz, transformamos em piadas para dar aos ignorantes), agora abres os olhos e dói. São as dores de crescimento de que te falava, lembras-te?

E então creio que vamos continuar a ser paradoxos. A desdenhar no amor (“afinal são todos muletas uns dos outros”), para secretamente esperar pela pessoa que nos caia no colo (e em quem, inevitavelmente, “deixaremos fazer cair um copo”, incapazes como somos). A destelhar na realidade que nos envolve. A dizer mal do caminho da carneirada, invejando o conforto que daí advém. A criticar as concessões, para o fazer de forma subtil – ainda que muito mais negligé – no dia a dia.

Disse-te um dia que não tenho certeza alguma na vida: mas sei, porque sim, que seja qual for o caminho, a única coisa que sei é que lá estarás comigo. Para continuarmos a ser Peter Pans, a ver todo o crescimento na proporção da dor inerente ao mesmo, para contabilizarmos quem gasta mais em pensão de alimentos nos primeiro, segundo e terceiro casamento; para discutirmos sobre as tuas posições neo-liberais na Economia e as minhas visões “comunas” do mundo; para nos rirmos da vidinha dos nossos coleguinhas que hoje são CEO’s de empresas, quando eram murcões e cromos quando eram mais novos, os tais que seguem o tal caminho do “pague tudo sem esforço: crédito à habitação+crédito para casa+férias no Dubai+DSP para os filhos”, tudo numa prestação eterna bem perto de si. O empréstimo que eles contraem só tem um montante em dívida: A VIDA.

Mas para nós, Mano, não há forma de viver sem morrermos pelo meio. Uma parte de ti morre hoje, se calhar vai virar fantasma para te assombrar volta e meia, mas há uma nova parte de ti, mais real, menos distorcida, mais tu, que vai viver agora.

E eu cá estarei para ver. Ao teu lado, sempre. No matter what.


:the ost for this post is "Acrobat" - U2:
«And you can swallow
Or you can spit
You can throw it up
Or choke on it
And you can dream
So dream out loud
You know that your time is coming 'round
So don't let the bastards grind you down...
No, nothing makes sense
Nothing seems to fit
I know you'd hit out,
If you only knew who to hit
And I'd join the movement
If there was one I could believe in
Yeah I'd break bread and wine
If there was a church I could receive in
'cause I need it now
To take a cup
To fill it up
To drink it slow
I can't let you go
(And we) must be an acrobat
To talk like this
And act like that
And you can dream
So dream out loud
And don't let the bastards grind you down...»

Monday, October 30, 2006

O meu tipo de clássico


Nem sei o que me deu mais gozo:
...se ver o simãozinho pensar que tinha conseguido passar incólume no Dragão, para depois acabar cabisbaixo e ter de render-se à superioridade inequívoca do FC Porto;
...se ver os benfiquistas que conseguiram ir ao Dragão irem do céu ao inferno - local aliás onde pertencem - em apenas 8 minutinhos;
...se o golo de Quaresma;
...se a forma absolutamente cruel como o FC Porto venceu os vermelhos.

É que, bem vistas as coisas, escrito por um argumentista não saía melhor: aos 20 minutos, o espectro da goleada pairava por todo o lado, bem visível na cara do acólito Fernando Santos.

Sofremos, mas tão somente para tornar ainda mais cruel a derrota dos vermelhos. Quando eles pensavam ir embora a rir-se, um herói improvável, um pobre coitado que deve ter no joelho esquerdo mais platina do que Madonna tem em discos, um tal de Bruno Moraes, enfia a bola onde é o seu lugar mais do que natural: na baliza dos vermelhos, rematada nos últimos 30 segundos de um jogo onde só por mera imaginação se poderia sequer conceber uma igualdade entre as equipas.

Mesmo sem necessidade de sofrer tanto, tal foi a superioridade no primeiro tempo, a verdade é que foi o meu tipo de clássico: o porto a ganhar e os vermelhos a sofrerem da forma mais cruel possível - que é quando lhes dão a mera ilusão de igualdade.
Thank god she's back

«So that's how you found me
Rain falling around me
Lookin down at a worm
With a long way to go
And the traffic was hissing by
And i was homesick
And i was high

I was surrounded by a language
In which i could say only hello
And thank you very much
But you spoke so i could understand
And i drew a treasure map on your hand

And you were no picnic
You were no prize
But you had just enough pathos
To keep me hypnotized
Hypnotized...»

Ani DiFranco - "Hypnotized" (Reprieve-2006)

Thursday, October 26, 2006

Blog do Dia - Era uma vez no Porto

Era uma vez no Porto

Se não "O", certamente um dos melhores espaços no Porto, colocando-o uns anitos mais à frente do fast-consuming e padronizado estilo vigente no burgo. Eu sou, assumidamente, fã.

Wednesday, October 25, 2006

Shadowboxer - Fiona Apple

Tuesday, October 24, 2006

Site do dia

Que não um blog, feito por quem realmente percebe da poda, um verdadeiro predestinado.
Eu cá fartei-me de rir.

Friday, October 20, 2006

SMS...da noite #2

«Não te mata quando chega a hora do dia em que fechas a porta do quarto, porque já não aguentas o mundo lá fora, e desligas a luz do candeeiro como quem interrompe vida?just to share.»

SMS...da noite

«Às vezes fico tão triste contigo, que gostava de não ter esta certeza de que até gostas de mim, só para poder ter uma explicação sobre o não quereres saber da minha vida. Estranho, não é? Como se pode querer tão bem e não precisar de saber da pessoa...»

Há quem não caminhe

Sempre achou estranha aquela forma de estar presente, dobrada sobre a mesa, pedindo desculpa por ali estar. Não se trata, porém, da existência comezinha de quem pede desculpa de cada vez que exala uma palavra. Caso contrário, formas e formatos saíriam certamente diferentes.

Tinha uma sombra indelével, os sonhos curvados perante a vida, mas uma chibata mental ordenava uma distância considerável entre palavras e actos, ao encadear a ambos em zonas de choque.

E era nesses momentos, com sombra nos gestos e tom grave na voz, que falava de ser quem era. Uma leve náusea, um copo erguido, uma dor passageira, tudo como toques de inabituação.

Sempre dizia que tinha sido sua obrigação sobreviver, mesmo entre neons de vida. Entre paredes desconcertantes ("a puta da parede", sempre "a puta da parede"), inventava palavras e escrevia-as em cantos escondidos, por trás de uma fotografia, de um candeeiro ou na esquina de um móvel. As paredes desconcertantes parecem juntar letras e consoantes, em uníssono, da esquerda para a direita e vice-versa: as tuas lágrimas foram o início e serão o teu fim.

Pensando em retrospectiva,
comportou-se como o esquisso desconfortável, o papel rebuscado e esmagado,
que sempre insiste em aparecer fora do caixote do lixo.

Surge sempre como o desenho desajeitado, inapropriado, sem brilho, sem as linhas firmes desejáveis.

No entanto, mesmo em toda a sua inoperância e incapacidade, não deixará que o criador se esqueça de todos os adjectivos e de todos os nomes: sem jeito, sem tempo, sem tudo, sem nada.

Se fosse um objecto, nada seria. Só uma interminável e inconsequente lista de palavras.

Há coisas que transbordam charme...


e eu lembrei-me de umas quantas "Onassy's"...

Thursday, October 19, 2006

Fiona and Friends #9 - Lipa says "O meu fim para o teu blog"

«Porque nunca haverá fim nas palavras,

porque o que marca nunca acaba,

e porque eu não quero...

Porquê?!...

Beijo eterno.»

The OST for this post is "In the end" - Linking Park

Tuesday, October 17, 2006

A palavra "desassossego", por si só...

«Estética do Artifício

A vida prejudica a expressão da vida. Se eu tivesse um grande amor nunca o poderia contar.
Eu próprio não sei se este eu, que vos exponho, por estas coleantes páginas fora, realmente existe ou é apenas um conceito estético e falso que fiz de mim próprio. Sim, é assim. Vivo-me esteticamente em outro. Esculpi a minha vida como a uma estátua de matéria alheia ao meu ser. Às vezes não me reconheço, tão exterior me pus a mim, e tão de modo puramente artístico empreguei a minha consciência de mim próprio. Quem sou por detrás desta irrealidade? Não sei. Devo ser alguém. E se não busco viver, agir, sentir, é - crede-me bem - para não perturbar as linhas feitas da minha personalidade suposta. Quero ser tal qual quis ser e não sou. Se eu cedesse destruir-me-ia. Quero ser uma obra de arte, da alma pelo menos, já que do corpo não posso ser. Por isso me esculpi em calma e alheamento e me pus em estufa, longe dos ares frescos e das luzes francas - onde a minha artificialidade, flor absurda, floresça em afastada beleza.»

Bernardo Soares/Fernando Pessoa - "Livro do Desassossego"

«Ah... Se eu pudesse não partir, eu ficava aqui contigo...Se eu pudesse não querer... Descobrir...Ah se eu pudesse não escolher...Eu juro, era este o meu abrigo.Se eu pudesse não saber que há mais...Mas como pode a lua não querer o céu...?Como pode o mar não querer o chão...?Como pode a vontade acalmar o desejo?Como posso eu ficar?...»
Margarida Pinto - Apontamento

Monday, October 16, 2006

Fiona and friends #8 - Jackie says

Pediste-me que te escrevesse um texto. Não fizeste qualquer tipo de exigência. Deste-me liberdade para esvaziar a alma… Fiquei honrada, confesso.

De início não me pareceu uma tarefa difícil. Sempre achei que tinha jeito com as palavras. Que era uma comunicadora nata (ou não falasse eu pelos cotovelos!!). Porque gosto de uma boa discussão: uma verborreia de argumentos, alguém sempre a “deitar lenha para a fogueira”, muitos prós e contras… Calorosa! Porque adoro aqueles jantares que se prolongam deliciosamente pela madrugada, regados a sangria e enfeitados com conversas tipicamente femininas! Porque passo horas ao telefone, ou não houvesse sempre mais alguma coisa a dizer ou comentar. No fundo, adoro falar, conversar, comentar, trocar ideias, discutir, coscuvilhar…

:Lusitano - o local do crime de tanta e tanta conversa:

Mas pensando melhor, o teu convite criou-me um problema: Sobre o que é que vou escrever?! Escrevo sobre a minha experiência no cruel mundo do trabalho? Invento uma história de amor com final feliz? Ou partilho um desgosto daqueles que deixam o coração em mil pedacinhos? Talvez faça um ensaio sobre a rotina que tende a fazer parte da minha vida? Verto as lágrimas porque o príncipe virou sapo? Comento o último episódio do “Sex & the City”? Falo da minha paixão inexplicável pelo cor de rosa? Descrevo as inúmeras vantagens de partir em Interrail? Conto a frustração que sinto por não poder trabalhar de calças de ganga? Ou confesso as maravilhas de um “caso”? Opino sobre o último filme do Almodovar? Disserto sobre as saudades que me apertam o peito às 5h da manhã? Teorizo sobre a atracção pelos “filhos da mãe”? Ou berro a plenos pulmões o quanto estou agradecida por UMA PESSOA TÃO ESPECIAL FAZER PARTE DA MINHA VIDA?

Obrigada pelo convite. Foi um prazer!

The OST for this post is: Green Day - "Time of your life"

Wednesday, October 11, 2006

Medo. Muito Medo.

Tenho medo de viver num país em que uma pessoa como Paulo Portas chega a presidente de um partido. Menos mal, esse partido é o CDS-PP (teria consequências mais gravosas se fosse um partido da oligarquia PS-PSD).

Não tive alegria ao ver o PS eleito com maioria absoluta. Tal aconteceu apenas porque considero que, depois de 2 Governos deixados a meio (Guterres e Barroso, como eu vos compreendo!) e um Governo que nem sequer o chegou a ser (Santana Lopes, esse "ganda maluco"), era absolutamente essencial que Portugal tivesse um Governo que não precisasse de acordos à limiano para exercer a sua função.

Confesso, gosto de Sócrates. Confesso, gostei da boca do António Vitorino ao melhor estilo do "acabou a brincadeira". Não gostei, confesso, que António Vitorino não tivesse sido Ministro (embora tenha a noção de que não o foi porque não o quis). Mas gosto da máquina que Sócrates oleou, onde tudo está alerta 24 h por dia, dá a sensação de que ele está em controlo da coisa (algo que já não me lembro ter visto, ironia das ironias, depois de Cavaco Silva).

Mas mais do que a vitória do PS com a maioria absoluta, vibrei - até bati palmas - com o discurso neo-humilde e quase a roçar a lágrima no canto do olho do Presidente do CDS-PP. "Adeus", disse ele. Eu tremi, porque sabia que ele iria voltar um dia - mas mais uma vez, fiquei emocionada, por o ver a ir pela porta dos fundos. Emocionada pelo alívio.

Explico-vos porquê: o Paulinho das feiras é o símbolo do que de pior existe neste país. Um homem que constrói um semanário de referência com o Miguel Esteves Cardoso, numa perspectiva quase anárquica do sim-porque-sim de oposição inexistente no tempo do Cavaquismo, instrumentaliza esse mesmo jornal - a partir de certa altura e já sem o Miguel Esteves Cardoso - para o seu próprio projecto político. A missão do "Independente" deixou de sê-la, para passar a alimentar as ambições políticas de quem deu mais uma machadada, desta vez em Manuel Monteiro, para chegar a presidente do CDS-PP.

E quando lhe saiu a sorte grande (PSD eleito como Governo mas sem maioria absoluta e portanto obrigado a coligar-se), a minha vontade foi emigrar. Para mim, Paulo Portas é uma espécie de Le Pen mas sem o espalhafato e com muito maior sentido político. E tenho a reminiscência - culpa minha, decerto - de que os seus discursos são copiados a decalque dos de Goebbels. Mas é culpa minha, certamente.

Cada vez que Paulo Portas fala, tenho medo. Tenho medo pelos emigrantes, tenho medo pelas pessoas que trabalham por conta de outrém, tenho medo pelas mulheres, tenho medo pelos artistas, tenho medo dos que não são católicos cristãos praticantes, tenho medo. Não me sinto segura num país onde Paulo Portas tem um papel político-partidário.

Concertado ou não com Luis Nobre Guedes, a verdade é que Paulo Portas, como disse e bem o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, saiu do CDS por uma porta...giratória. Agora anda pelo país a falar às bases, segundo o próprio, para os "ajudar a pensar". Pronto, agora fiquei com medo de quem pensa pela própria cabeça. Ontem o soundbyte foi acerca dos emigrantes. O Paulo Portas tem medo dos emigrantes. Estou com ele, só com uma pequena diferença subtil: tenho medo pelos emigrantes. Não deve ser fácil ter um sonho, aplicá-lo a um país como Portugal onde os sonhos se esfumam depressa, e ainda por cima sujeitar-se a ter um fulano a falar na TV sobre o perigo que eles são. Pensem comigo: se eles forem legalizados, pagam impostos, certo?

Hoje Paulo Portas fala, no Porto, sobre o Islão. Vai ser bonito, vai.

Medo. Muito medo.

:The original OST for this post is "Rebel" - Lauryn Hill

Tuesday, October 10, 2006

Se eu fosse ingénua até ficava surpreendida

O Hard Club vai fechar.

Não há outro espaço no Grande Porto como aquele. Mas a verdade é que hoje em dia a música electrónica é que agita a cabecinha desta gente que sonha com 48k e com linguagem de programação.

O grunge e o hard n' heavy desapareceram quase do mapa. De jeito, para além das antiguidades, só cá andam os Audioslave. Não me aborrece a falta de airplay, mas aborrece-me não ter aquele sítio disponível, com uma arquitectura fantástica e adequada à onda HC, onde já vi - só para citar assim de cabeça - Ornatos Violeta, Clã, K's Choice, dEUS e Muse. O HC tinha essa grande vantagem de conseguir trazer grandes bandas antes ainda de serem mais conhecidas.

Quando surgiu o HC , veio potenciar o efeito do "Palha D'Aço", procurando ser assim uma espécie de Troubador e Rainbow (LA) ou CBGB's (NY). Agora esvaziou. Resta-me a esperança de que apenas se mudem para outro sítio mais pequeno e que o espírito do HC não se perca. Até porque a história do rock é isso mesmo: veio o punk, mais tarde veio o pop e toda a gente pensou "rock is dead". No it's not. NO, IT'S NOT. Só vai só voltar com mais força, tal como aconteceu nos anos 90 com o grunge.

Tuesday, October 03, 2006

Como esquecer - antecipando o fim deste blog

«Como é que se esquece alguém que se ama? Como é que se esquece alguém que nos faz falta e que nos custa mais lembrar que viver? Quando alguém se vai embora de repente como é que se faz para ficar? Quando alguém morre, quando alguém se separa, como é que se faz quando a pessoa de quem se precisa já não estar lá?

As pessoas têm de morrer, os amores de acabar. As pessoas têm de partir, os sítios têm de ficar longe uns dos outros, os tempos têm de mudar. Sim, mas como se faz? Como se esquece?

Devagar. É preciso esquecer devagar. Se uma pessoa tenta esquecer-se de repente, a outra pode ficar-lhe para sempre. Podem pôr-se processos e acções de despejo a quem se tem no coração, fazer os maiores escarcéus, entrar nas maiores peixeiradas, mas não se podem despejar de repente. Elas não saem de lá. Estúpidas!

É preciso aguentar. Já ninguém está para isso, mas é preciso aguentar. A primeira parte de qualquer cura é aceitar-se que se está doente. É preciso paciência. O pior é que vivemos tempos imediatos em que já ninguém aguenta nada. Ninguém aguenta a dor. De cabeça ou coração. Ninguém aguenta estar triste, ninguém aguenta estar sozinho. Tomam-se conselhos e comprimidos. Procuram-se escapes e alternativas. Mas a tristeza só há-de passar entristecendo-se. Não se pode esquecer alguém antes de terminar de lembrá-lo. Quem procura evitar o luto, prolonga-o no tempo e desonra-o na alma. A saudade é uma dor que se pode passar depois de devidamente doída, devidamente honrada. É uma dor que é preciso primeiro aceitar.

Dizem-nos depois para esquecer, para ocupar a cabeça, para trabalhar mais, para distrair a vista, para nos divertirmos mais, mas quanto mais conseguimos fugir, mais temos mais tarde de enfrentar. Fica tudo à nossa espera. Acumula-se tudo na alma, fica tudo desarrumado.

E o esquecimento não tem arte. Os momentos de esquecimento, conseguidos com grande custo, com comprimidos e amigos e livros e copos, pagam-se depois em condoídas lembranças a dobrar. Para esquecer é preciso deixar correr o coração, de lembrança em lembrança, na esperança de ele se cansar.

Porque é que sempre nos momentos em que estamos mais cansados ou mais felizes que sentimos mais a falta das pessoas de quem amamos? O cansaço faz-nos precisar delas. Quando estamos assim, mais ninguém consegue tomar conta de nós. O cansaço é uma coisa que só o amor compreende. E a felicidade faz-nos sentir pena e culpa de não a podermos partilhar. É por estarmos de uma forma ou de outra sozinhos que a saudade é maior.

Mas o mais difícil de aceitar é que há lembranças e amores que necessitam do afastamento para poderem continuar. Às vezes a presença do objecto amado provoca a interrupção do amor. E a complicação, o curto-circuito, o entaralamento, a contradição que está ali presente, ali, na cara do coração, impedindo-o de continuar.

As pessoas nunca deveriam morrer, nem deixarem de se amar, nem separar-se, nem esquecer-se, mas morrem e deixam e separam-se e esquecem-se. Custa aceitar que os mais velhos, que nos deram vida, tenham de dar a vida para poderem continuar vivos dentro de nós. Mas é preciso aceitar. É preciso aceitar. É preciso sofrer, dar urros, dar murros na mesa, não perceber. E aceitar. Se as pessoas amadas fossem imortais perderíamos o coração. Perderíamos a religiosidade, a paciência, a humanidade até.

Há uma presença interior, uma continuação em nós do que desapareceu, que se ressente do confronto com a presença exterior. É por isso que nunca se deve voltar a um sítio onde se tenha sido muito feliz. Todas as cidades se tornam realmente feias, fisicamente piores, à medida que se enraízam e alindam na memória que guardamos delas no coração. Regressar é fazer mal ao que se guardou.

Uma saudade cuida-se. Nos casos mais tristes separa-se da pessoa que a causou. Continuar com ela, ou apenas vê-la pode desfazer e destruir a beleza do sentimento, as pessoas que se amam mas não se dão bem só conseguem amar-se bem quando não se dão. Mas como esquecer? Como deixar acabar aquela dor? É preciso paciência. É preciso sofrer, é preciso aguentar.

Há grandeza no sofrimento. Sofrer é respeitar o tamanho que teve um amor. No meio do remoinho dos erros que nos revolver as entranhas de raiva, do ressentimento, do rancor – temos de encontrar a raíz daquela paixão, a razão original daquele amor.
As pessoas morrem, magoam-se, separam-se, fazem os maiores disparates com a maior das facilidades. Para esquecê-las é preciso chorá-las primeiro. Esta é uma verdade tão antiga que espanta reparar em como ainda temos esperanças de contorná-la. Nos uivos das mulheres nas praias da Nazaré não há “histeria” nem “ignorância” nem “fingimento”. Há a verdade que nós, os modernos, os tranquilizados, os cools, os cobardes, os armados em livres e independentes, os tanto-me-fazes, os anestesiados, temos mesmo de enfrentar.

Para esquecer uma pessoa não há vias rápidas, não há suplentes, não há calmantes, ilhas das Caraíbas, livros de poesia – só há lembrança, dor e lentidão, com uns breves intervalos pelo meio para retomar fôlego. Esta dor tem de ser aguentada e bem sofrida com paciência e fortaleza. Ir a correr para debaixo das saias de quem for é uma reacção natural, mas não serve de nada e faz pouco de nós próprios. A mágoa é um estado natural. Tem o seu tempo e o seu estilo. Tem até uma estranha beleza. Nós somos feitos para aguentar com ela.

Podemos arranjar as maneiras que quisermos de odiar quem amamos, de nos vingarmos delas, de nos pormos a milhas, de lhe pormos os cornos, de lhe compormos redondilhas, mas tudo isso não tem mal. Nem faz bem nenhum. Tudo isso conta como lembrança, tudo isso conta como uma saudade contrariada, enraivecida, embaraçada por ter sido apanhada na via pública, como um bicho preto e feio, um parasita de coração, uma peste inexterminável, barata esperneante: uma saudade de pernas para o ar.

O que é preciso é igualar a intensidade do amor a quem se ama e a quem se perdeu. Para esquecer é preciso dar algo em troca. Os grandes esquecimentos saem sempre caros. É preciso dar tempo, dar dor, dar com a cabeça na parede, dar sangue, dar um pedacinho de carne.

E mesmo assim, mesmo magoado, mesmo sofrendo, mesmo conseguindo guardar na alma o que os braços já não conseguem agarrar, mesmo esperando, mesmo aguentando como um homem, mesmo passando os dias vestida de preto, aos soluços, dobrada sobre a areia de Nazaré, mesmo com muita paciência e muita má-vontade, mesmo assim é possível que não se consiga esquecer nem um bocadinho.

E quando alguém está sempre presente? Quando é tarde. Quando já não se aguenta mais. Quando já é tarde para voltar atrás, percebe-se que há esquecimentos tão caros que nunca se podem pagar. »

Miguel Esteves Cardoso

:the OST for this post is Damien Rice - "The blower's daughter":

Monday, October 02, 2006

Fiona & Friends #8 - Pastorinha says

«Aparições!...

...e de um momento para o outro, sem avisos ou contemplações, vemos a nossa vida em ponto grande e à escala daquilo que somos!
É ao virar de uma esquina ou ao abrir uma janela num dia demasiado quente, que tudo se compõe e, pela primeira vez, faz sentido. Como se todos os fios invisíveis da nossa vida se unissem e nos pregassem o maior de todos os sustos: APARIÇÃO!E de repente, aquele minuto em que chegámos demasido cedo ou demasiado tarde, faz-se o centro do universo e a vida toda gira em redor do acaso!

Há quem passe a vida inteira à procura do milagre do encontro (ou reencontro), há quem não acredite nestas tretas e viva feliz com os presentes banais e há aqueles que, como eu, vivem em assombro: rodeados de Aparições que dão sentido a tudo o que faço e sou!

:Um pneu, um café e uma água com gás:

Felizmente, a porta nunca se fechou quando não devia, nem a esquina se virou na rua errada.
Sem saber bem como, sem ter nisso qualquer papel, a verdade é que existem na minha vida (e não as vi simplesmente. Existem porque me tocam e são parte de mim) várias aparições! Algumas são viscerais (a tal ponto que já não sei bem onde começo e onde ela acaba); outras sonham compulsivamente de cima dos seus saltos altos; outras conseguem, num só gesto de mão ordenar o caos; outras vivem em macro no seu micromundo; e outras... "outra" gosta de mergulho, de ouvir o riso de dois miúdos, do barulho metálico das chaves na porta; gosta de lobos e matilhas e coelhos bébés... e gosta do abismo.só pelo prazer de ver a paisagem!
A "outra" já não é outra. É uma de nós: Aparição!"

The OST for this post is "By your side" - Cocorosie

Friday, September 29, 2006

O retiro

Casulas-te porque já não aguentas o mundo à tua volta, numa arrogância muito própria de quem não precisa do exterior para nada. Falsidade nietzchiana ou não, a necessidade aguça o engenho e, voilá!, tornas-te pro em isolamento.

As paredes não falam nem mexem, e fazem-te sempre a vontade. L’enfer c’est les autres, e é mesmo isso. Suspiras em confirmação.

Não há abraços, não há sorrisos, não há piadas. Mas há paz. E há calma. E tudo aquilo por que ansiaste um ano inteiro. A vida segue lá fora, mas desta vez não há um pingo de arrependimento. Ganhas um desprendimento real, como se os outros não contassem para nada. Passam a ser figurantes, porque a personagem principal voltas a ser tu.

Fiona & Friends #7 - MicroLu says

É escuro, mas, de alguma maneira, transforma-se numa ausência de luz nítida. Tão nítida que me deixa ver os outros, os outros reais, puros. É isso, naquele sítio, naquele momento tudo é puro, só por se conseguir captar esse tudo.
Gostava que percebesses, gostava que um dia estivesses lá, que sentisses…
A ansiedade que cresce, o coração que bate como se tivesse acabado de correr fulminantemente. Procuro o ar onde não há, a calma onde a senti pela última vez… em vão. Naquele espaço de tempo, o tempo tal qual o conhecemos, com minutos, horas e segundos, não existe. O compasso de espera mede-se pelo bombar desenfreado das pulsações, pela inquietude do corpo, não há ritmo acertado, não há pausa, não há.
Sorrio como nunca sorrio e, olhando à volta, vejo-os como raramente o faço. Respiro fundo e percebo que ali, estranhamente ali, eu sou só eu. Sou o pior de mim, sou o melhor de mim, tudo ao mesmo tempo. Tão eu que nem sei como me tolero, enfrento e sobrevivo. Um pedaço de pessoa que fora dali não é mais do que uma fórmula fingida, gasta, colada que não deixa ser mais nada. Um pedaço de pessoa que ali o continua a ser; porém ali é um pedaço real, torto, não simétrico, oscilante, mas, ainda assim, puro.
Sou eu.
Sinto que sou eu.
Sorrio.
Olho outra vez à minha volta e vejo-os apesar da escuridão. Parte de mim, parte de quem hoje sou - os que admiro, os que me irritam, os que me são indiferentes. Todos me formam e ali todos eles são também reais. Eles nem sabem, mas vejo-os na sua totalidade, como se fossem transparentes. O que fazem, como fazem, quando olham... Ali também eles se tornam quem, de facto, são. Será que notam? Estamos à beira do limite e é aí que todos acabamos por ser.
Discuto, como nunca discutiria fora dali - porque sou eu.
Acalmo alguém, como nunca acalmaria fora dali - porque sou eu.
Olho, como nunca o faria fora dali - porque sou eu.
Apaixono-me, como nunca me apaixonaria fora dali - porque sou eu.
Odeio, como nunca odiaria fora dali - porque sou eu.
Porque sou eu.
E isto tudo passa depressa, passa devagar… para quê tentar encaixar no tempo o que lá não cabe.
Sempre o tempo.
Pudesse eu isolar aquele pedaço de tempo…
Não. Nem poderia, nem conseguiria. Medo talvez, mas fora dali nunca conseguirei ser eu. Nem é isso que quero. Acho. Sou o que me permito ser; e cá fora não consigo ser mais do que aquela fórmula.
E não te consigo explicar isto num papel; queria que lá estivesses para te conseguir mostrar os gestos, as imagens, os traços, os cheiros, as luzes… podia ser que percebesses, que visses como vejo e sinto tudo aquilo. Já me conheces, eu sei, melhor do que eu, se calhar… talvez de nada valesse estares lá… já saberias tudo. Podia-te explicar, só isso, e tu ouvirias.
Não.
Tu nunca vais ouvir, estar ou sentir - eu sei. Nunca vais aparecer, nunca te vou dizer ou contar isto. Pergunto: se o sei, se estou certa da tua ausência, porque insisto em sentir através de ti, porque é que no fim daquele sítio, daquele tempo, só me sobras tu? No vazio do fim, tu continuas aqui, em mim, depois de eu já ter regressado à fórmula gasta que sou cá fora; a recordação daquele sítio é toda feita como uma reconstituição para que ouças, onde quer que estejas.
Não ouves.
Regresso à roupa do dia-a-dia. Visto-a, até ao próximo dia em que volte àquele sítio, assim, só para me visitar.

O sítio é o palco.
O tempo é aquele que antecede uma actuação.
Eles são as pessoas com quem partilho a experiência dramática.
Tu, se algum dia leres isto, saberás quem és.


The ost for this post is "I know" - Fiona Apple

Thursday, September 28, 2006

Fiona & Friends #6 - João Barreto says

Trechos de carta de candidatura a emprego de um jovem contabilista que se dispersava sempre que pegava numa caneta

Caro senhor,

Em resposta ao anúncio… (…)

(…) Encontro-me actualmente em situação… (…)

(…) Do sítio em que vim sentar-me consigo avistar uma sucessão das traseiras de vários edifícios antigos. É uma paisagem bonita que me remete para um imaginário extraordinariamente íntimo e incomunicável, um pouco como certas peças de roupa de certas mulheres que nunca me são indiferentes. Penso que seria a partir destas imagens, ou destas condensações de memória, que haveria de nascer toda a minha pintura, se se tivesse dado o caso de eu calhar pintor. Enfim, julgo que não se calha pintor. Mas calha-se qualquer coisa que poderíamos classificar do mais pintor ao menos pintor. E, nesse sentido, creio que poderia ter calhado bem menos pintor. (…)

(…) Não sei precisar em que época comecei a pensar nestas coisas. Como seria eu se jamais alguém me tivesse feito uma só pergunta? Se nunca tivesse utilizado palavras para satisfazer outrém? O que diria eu a partir deste ponto original, representando o desejo mais que a necessidade? O que me diriam estas palavras vitais? (…)

(…) Hoje queria escrever na justa medida da minha vida por contar, sem contudo contar nada, e sem propriamente deixar de fazê-lo. Queria dizer-lhe qualquer coisa, caro senhor. (…)

(…) Procuro imaginá-lo a si. Você percebe o significado deste constrangimento na ilharga, sem que chegue a formulá-lo. Agora que vai reformar-se, que a história do mundo o engole lentamente, depois de tanto tempo de pés firmes à proa, agora volta a casa e repara, com mais desprezo do que surpresa ou nojo, que não esperam nada de si. O sentimento é mútuo. (…)

(…) Em algum momento da minha história devo ter trocado as parcelas de um raciocínio, passando a ocupar-me dos preparativos para a vida mais do que propriamente da vida. (…)

(…) porque inteligência e compreensão não podem ser confundidas. (…)

(…) pelo caminho, atravessou-me esta visão de umas traseiras. E vem sendo tão raro que a realidade seja evocativa (…)

(…) Julgo que acabarei por embarcar rumo às negras matas do sul… (…)

Sem outro assunto,
(...)

Wednesday, September 27, 2006

Fiona & Friends #5 - The "So called prince of darkness" says

"(...)Nao sei escrever como tu, sabes bem que a maior parte das vezes so sei falar em acordes. (...) Por isso a unica coisa que posso escrever no teu blog, e transpor o que tenho em vynil, em cd, em mp3 e que nao sai do meu i-pod. E que nao sai da minha tatuagem. »

«Now here I go,
Hope I don't break down,
I won't take anything,
I don't need anything

Don't want to exist,
I can't persist,
Please stop before I do it again...

Just talk about nothing,
let's talk about nothing,
Let's talk about no one,
please talk about no one, someone, anyone

You and me have a disease,
You affect me, you infect me,
I'm afflicted, you're addicted,
You and me, you and me

I'm on the edge,
Get against the wall,
I'm so distracted,I love to strike you,
Here's my confession,
You learned your lesson,
Stop me before I do it again...

You're clear - as a heavy lead curtain want to drill you - like an ocean,
We can work it out, I've been running out,
now I'm running out
Don't be mad about it baby

You and me, you and me,
I want to tie you, crucify you,
Kneel before you, revile your body,
You and me, we're made in heaven,
I want to take you, I want to break you,
Supplicate you, you are incurable,
I want to bathe you in holy water
I want to kill you upon the alter,
you and me, you and me...»

Bad Religion - "Infected"

Friday, September 22, 2006

Site do dia

Já por aqui abordei a constatação de facto de que o ser humano, no sentido antropológico do termo, não ser monogâmico. Chamo-lhe facto porque se contabilizarmos o número de habitantes à superfície da terra - e não nos deixarmos levar por esta coisa de a Cultura Ocidental ser o umbigo da Civilização - a maior percentagem não é de sujeitos monogâmicos (larga contribuição dos países do Médio Oriente e de África).

Então, poderemos afirmar que ser-se monogâmico é uma condicionante cultural?

Julgo que sim. Aprendemos, à medida que crescemos, esta coisa horrorosa das etiquetas: pelos amigos sente-se amizade, pelo marido/namorado(a) amor, pelos pais e pelos irmãos outro tipo de amor.

Para mim, obtusamente afirmo: é tudo amor. Mesmo o ódio é uma forma de amor. A sua forma de expressão é que é diferente.

Mais, as expectativas sociais consubstanciam esta necessidade arquétipa de ver a exclusividade como condição sine qua non, e é no contexto "relação amorosa" (como diz o senso comum) que mais espalhamos o espectro da exclusividade. Com os resultados desastrosos que se conhecem.

E então eu pergunto:
- será o reportório emocional das pessoas tão básico que não aceitem a ideia de poder amar várias pessoas ao mesmo tempo?

- se aceitamos que os nossos amigos amem outros amigos,
- se aceitamos que os nossos pais amem os nossos irmãos,
...porque raio não aceitamos que o nosso namorado(a) ame outra pessoa?

Parece-me que a monogamia é, portanto, um grilhão cultural a que nos prendemos, andamos a brincar às ideias pré-definidas do que é uma relação, a sofrer por causa da nossa própria definição e conceito - sem nos preocuparmos minimante se o ser humano tem ou não recursos para ser monogâmico. Isto é, pedir exclusividade numa relação e fazer dela condição sine qua non, não ganhará contornos de inexequibilidade?

Mas, palavra para quem sabe: comunidade poliamorosa na net.

Blog do dia

Estes Marsalho e Sarrafo, adoráveis, lembram-me bem porque é que adoro homens. Sobretudo aqueles de "sorriso de tubarão". Altamente recomendável. Aqui.

Thursday, September 21, 2006

Hoje assim sinto-me como...#2


Jeff Buckley: nadando perigosamente nos 30.

A questão que ecoa - The Lake House


What if there isn't any?

E se, contra todas as normas, frequências mais batidas, histórias de vida...

E se contra todos os clichés, todos os livros da Jane Austen, todos os filmes de Hollywood, todas as histórias que os amigos nos contam quando nos querem confortar...

E se contra todas as declarações auto-impostas que nos embalam quando adormecemos...

E se não houver? E se a vida for simplesmente passar de encontros inconsequentes em jogos de ilusões sem sentido nem sentimento?

Quem disse, com provas irrefutáveis que vão para além de qualquer questionamento, que há aí alguém? Que de aqui em diante, perdido o euromilhões, nada mais resta do que ficar com aquela sensação de aposta perdida cada vez que se gastam uns tostões de coragem, para se ter em troca pouco mais do que a ilusão de 2 dias até ao momento em que se percebe que não há 13 no totobola?

É uma questão que ecoa...

West vs. East

Para não entrarmos numa lógica dicotómica e maniqueísta, porque se o Papa deveria ter maior bom senso de perceber que qualquer afirmação serve de rastilho e posterior manipulação de massas, não há razão - tal como na questão dos cartoons - para tanto alarido.


«De pai libanês, mãe síria, tendo crescido no Líbano, mudando-se mais tarde para Paris, Samir Kassir (1960-2005), jornalista, historiador e professor de Ciências Políticas na Universidade Saint-Joseph, apresenta em 'Considerações sobre a desgraça árabe' (2004) sete breves capítulos sobre o povo árabe - o olhar deste povo relativamente a si próprio, o efeito do olhar alheio que desconfia, ou que condescende sem se ocultar - manifestando, claro, parte das suas convicções. Laico, empenhado na defesa da democracia árabe, não partilhando no entanto a perspectiva dos nacionalistas libaneses, e considerando-se ocidentalizado, Kassir, cuja obra foi escrita em francês, questiona a “desgraça árabe”. Existirá uma desgraça particular ao povo árabe? Quem é abrangido? De quando data? Que evolução teve para que se chegasse ao estado actual? Que evolução se espera? Entre o desespero, a vitimização e a impotência de que, segundo o autor, só os adeptos do islamismo radical não têm rasto aparente, que futuro poderá almejar o povo árabe? Que papel poderá desempenhar a religião islâmica na “desgraça”?
Não é fácil ser árabe nos nossos dias. Seja para onde for que nos voltemos, do Golfo ao Oceano, o quadro parece sombrio, e mais ainda se o compararmos com outras regiões do mundo, mesmo as mais desprovidas. Contudo, esta “desgraça” nem sempre foi. Para além da idade de ouro da civilização árabo-muçulmana, houve um tempo não muito distante em que os árabes, de novo actores da sua história, podiam projectar-se no futuro com optimismo.Como é que se chegou ao marasmo actual? Como é que se conseguiu fazer crer aos árabes que não têm outro futuro para além do que lhes destina um milenarismo mórbido? Como é que se pôde menosprezar uma cultura viva, para comungar no culto da desgraça e da morte?Sem pretender propor uma receita mágica para sair da desgraça, Samir Kassir mostra que é possível fazê-lo sublinhando que nada, e muito menos a sua herança cultural, deverá impedir os árabes de voltarem a ser sujeitos da sua própria história.»

Samir Kassir, in Considerações sobre a desgraça árabe (Edições Cotovia-2004)

Tuesday, September 19, 2006

Os custos da frontalidade

O primeiro-ministro húngaro, o social-democrata Ferenc Gyurcsany, em conversa com os seus colegas de partido, admitiu ter mentido sobre a situação económica do país. Chegou a dizer: "O que fizemos enquanto governo? Nada. Não fizemos nada!". Entre outras declarações que seriam deliciosas, não fossem tão dramáticas.

Problemazinho: alguém que lhe queria fazer a cama, gravou a conversa e pôs a coisa cá fora.

Resultado: Budapeste está a ferro e fogo. Quem conhece os povos de leste, sabe que - por força da sua história - são essencialmente conformistas (deve ser por isso que os emigrantes ucranianos gostam tanto de Portugal). Budapeste não assistia a coisa semelhante desde o final dos anos 80, com a queda do regime comunista.

Notícia do Dia

Aprovado pelo Governo a 31 de Agosto, o Plano de Acção para a Integração de Pessoas com Deficiências ou Incapacidades (PAIPDI), que ainda não foi apresentado publicamente, prevê a possibilidade de reduções tarifárias nos transportes - resultante de protocolos -, mais 14% de autocarros com acessibilidades, em Lisboa e no Porto, e a contratação de pessoas incapacitadas por 20 grandes empresas nacionais, num total de 400 estágios e 200 integrações profissionais. Além da comparticipação até 3000 euros para obras destinadas a eliminar barreiras arquitectónicas, em 500 fogos por ano.

O resto, aqui.

A primeira da matilha

A primeira da matilha, habitante da doutorolândia, apresenta-se a júri hoje.

A primeira da matilha, também top em tantas outras coisas importantes (um sentido de humor, diria, quase atroz de tão mortal!), foi também uma aluna de top (prémio de mérito que na minha escola vai apenas para O MELHOR de cada ano), uma estagiária de top, uma investigadora de top.

Seria de prever que uma académica de top, com todas as características pessoais, pedagógicas e científicas de top, tivesse um lugar (já nem digo ao sol, digo só um lugar...) neste país medíocre.

Pois ao que parece, não tem.

Este país não tem lugar para jovens investigadores, mesmo que a sua habilitação seja a de Doutoramento.

O problema, para além do dela, é o resto da matilha que vem atrás. Que também não vai ter lugar neste país medíocre.

Como diz Madame Paulina, também ela habitante da doutorolândia, o máximo a que neste momento podemos aspirar é a fazer atendimento ao público na Zara...de Londres.

And: we'll always have tabledance to make a living...

Friday, September 15, 2006

Aqui "a encarregada de educação"

...só sente orgulho pelas minhas "meninas".

Acredito, piamente, que a advocacia, com gente desta, só pode tornar-se melhor. Eu, pelo menos, enquanto cidadã, sinto-me mais tranquila.

E acho que a expressão "parabéns" não chega para tudo o que sentem. Mas, à falta de melhor, aqui vai: PARABÉNS!

PS: Claro que este post tinha de ser em rosa!

Under pressure

A última vez que tinha olhado para o relógio, no mostrador do carro, ditava 23:17. Carlos Paredes e o seu choro de guitarra portuguesa ecoava.

Matosinhos, perto do Hospital Pedro Hispano. Um homem com 2 canadianas está na beira do passeio, com uma passadeira aí a uns 30 metros ou assim ("ou assim", porque nunca fui grande coisa a medir distâncias).

Olho pelo retrovisor e não vem ninguém atrás. Abrando, até parar o carro. Quero deixar o homem passar. Olha para mim com um ar desconfiado, como se não estive à espera de tal benesse. Transmito-lhe a minha intenção de o deixar atravessar a rua com um gesto, que ele imediatamente compreende. Lento, atravessa então. Viro o olhar novamente para o retrovisor, vejo umas luzes de automóvel que vêm atrás, ainda um pouco longe. Ganho em preocupação, porque a via é de duas faixas no mesmo sentido, imagino que o impulso de quem vem atrás é o de contornar o meu carro, apanhando em cheio o homem que seguia, devagarinho, a olhar para o chão.

O carro das luzes ao fundo aproxima-se. Não sei a que velocidade vinha, mas parou atrás de mim. Só aquele travar era sintoma, digamos eufemisticamente, de alguma irritação.
Enquanto o homem ainda atravessava a rua, o de trás começou a buzinar e a dar sinais de luzes.

Um, dois, tr........

Saquei do travão de mão e abri a porta. Saí do meu carro, diriji-me ao do outro e disse-lhe com o sangue nas veias a correr a mil: ouça lá, não vê que está 1 pessoa com duas canadianas a atravessar a rua?. Responde o tipo: ouça lá, e para que servem as passadeiras, sua estúpida?

Gelei. Entrei no que eu chamo de modo alfa, que é quando sintonizo um canal a quem ninguém mais tem acesso. Não ouço nada nem ninguém: só a mim e aos meus impulsos.

Respondi: Ouça lá, oh seu filho da puta, quer que eu vá buscar ao carro o taco de basebol? Que lhe parta as duas pernas e uma ligação neuronal pelo meio para saber que 10 passos para si são 100 para quem tem dificuldades em andar?

Ele responde novamente com uns quantos grunhidos - percebi imediatamente que era do tipo ladra mas não morde (sim, posso ser impulsiva, mas não sou estúpida). E disse-lhe: então deixe-se estar que vai já saber o que é, e fingi que fui à mala do carro. A verdade é que quando virei as costas, ele arrancou, lançou-me mais uns impropérios do género és maluca, não sei quem te deu a carta, é o que dá mulheres ao volante, mas fugiu.

E eu juro, juro perante vocês, que não tenho nenhum taco de basebol no carro. Mas da forma como estava, chegava-me a chave de fendas.

Por isso peço ao universo que nunca me chegue uma arma às mãos.

Thursday, September 14, 2006

Anos, décadas e pelo menos um século...

...de luta pela igualdade de oportunidades, o direito ao voto, o direito à educação, o direito à carreira, anos e anos de queima-soutiens, para ler isto.

É este o drama da mulher no século XXI: tanta e tanta gente lutou por nós, tanta imagem social foi alterada e, no fundo, conseguimos perceber tão bem isto. Pior que as gerações de outrora, porque temos consciência do desperdício. E auto-censuramo-nos.

Mas eu, pelo menos, compreendo. Compreendo mesmo.

SMS do dia

"Queres vir a tertúlia de poligâmicos no lusitano às 20:30?"

Bom. Muito bom.

Wednesday, September 13, 2006

Antecipando o início do fim

«I ain't no vision, I'm the girl
Who loves you inside and out
Backwards and forwards with my heart hanging out
I love no other way
What are we gonna do if we lose that fire?
...
And no matter how you hurt me, I will love you till I die.»

Feist - Inside and Out

The original soundtrack for this post is "Inside and Out" - Feist

Volver - Filha és, Mãe serás

Depois de tantas recomendações, não podia deixar de ver "Volver". Já tanto foi dito, que as palavras somem-se para descrever mais um de Almodovar.

O fascínio pelo matriarcado de Almodovar continua; aquela zona de Espanha (Mancha) poderia ter sido filmado em qualquer zona semi-rural de Portugal; gosto de Penélope Cruz, mas será preconceito ter achado simplesmente MONSTRUOSO o desempenho de Carmen Maura (como uma ausência em filme pode ser tão poderosa)? E perdoem-me o cliché anti-hollywood, mas gostei muito mais do desempenho em pézinhos de lã de Yohana Obo (a filha de Raimunda) do que a ex-Mrs Tom Cruise.

Enfim, Almodovar continua siderado pelo universo feminino e pelas relações complexas da transmissão intergeracional feminina.

Compreendo o seu fascínio como aquele que se sente em relação a algo que - mesmo para as mulheres - continua indecifrável. "Filha és, mãe serás".

Monday, September 11, 2006

Pic of the day


There's no lie big enough for these words

Blog do dia

Entrei na onda minimalista, apesar de ter tanto e tanto para dizer. Fica para um dia destes...

Até lá, um blog delicioso que tenho espreitado volta e meia: o da maria não vai com as outras.

Wednesday, September 06, 2006

A resposta à pergunta anterior é: SIM

Outro reencontro existencial: às tantas tínhamos o piso superior do Era uma vez o Porto e as suas janelas escancaradas para o Douro só para nós.

E nós éramos nós ontem, mas também nós hoje. De repente todos os planetas estavam devidamente alinhados, e essa tarefa ciclópica de juntar a matilha tornou-se possível. Éramos nós outra vez.

E éramos nós no passado e nós no futuro. Éramos nós no meio de interpretações de sonhos e partilha de um copo vinho tinho, umas minis porque "retro é nice", falando de férias, de projectos e do que é a vida aos 20 e muitos.

Mas o que me deixou de brilhozinho nos olhos não foi só o voltar a estarmos novamente num estado de tempo em que o tempo não existe, em que tudo é metralhado ao sabor da intenção inconsequente e insolente. O que me deixou de coração cheio foi ter visto que há vida após a morte: uns casaram, outros juntaram, outros até já conseguem dizer "eu tenho uma relação com ele", outros têm tudo isso e filhos. E estes, o Henrique e o Miguel, e a pocahontas Beatriz, corriam por ali e nada parecia ser dissonante.

Um cheirinho de futuro. E a prova que, sendo diferente (não há como fugir, as madrugadas de conversas em escadas infinitas desaparecem), há vida depois da morte do que éramos, para renascer...mais completos.

E ontem adormeci assim: de coração cheio e com um brilhozinho nos olhos.

Blairwitch à portuguesa

"Até onde", de Carlos M. Barros

http://www.youtube.com/watch?v=TE7YGeMCGcE

Monday, September 04, 2006

Pode matar-se saudade do que já não se é?

Hoje tenho marcado um reencontro existencial. Mais uma espalhada pelo mundo que regressa à aldeia para rever quem passou por ela.

A Babs sempre me pareceu um estranho e encantador paradoxo. Uma tomb boy com imenso charme (e namorados). Uma rufia com boas notas. Uma boca escancarada (ou não fosse uma verdadeira tripeira), com um gosto selectivo pelas artes. Do tipo tanto como sushi como pão com chouriço.

Dela, no passado, recordo as discussões infindáveis pelo seu terrível hábito de conduzir severamente alcoolizada (to say the least); da queima em que entoávamos ornatos violeta com um brinde esquizofrénico (agora recém-baptizado de TGV); das festas "hear-say" na madalena.

Dela, no presente, vou tendo a sua trajectória via blog (por alguma razão que desconheço, o link não está a funcionar, pelo que aqui vai: www.estrujido.blogspot.com). Não me surpreende nadinha. Talvez só a "facilidade" com que atingiu uma certa maturidade inquieta que até hoje me causa estranheza ver como parte dela. A mesma estranheza que causa um craving por douradinhos com arroz de grelos.

Até logo, babs!

Friday, September 01, 2006

Notícia do dia

E agora venham eles.

Que venham os supostos guardiões da vida humana, os arautos da moralidade que infernizam o trabalho de quem quer melhorar a vida de milhões de pessoas. Que venham os que atacam quem trabalha com células estaminais, bociferando com a bíblia numa das mãos e as comissões de ética noutra.

Esta será a resposta: quanto mais os cientistas apresentam trabalho - concreto - menor será a margem de manobra.

Quero que estes bastiões da honorabilidade venham dizer agora, às pessoas que leiam esta notícia, que o que importa são os embriões e as técnicas de recolha. Quero que venham dizer às pessoas que hoje fazem quimioterapia, às pessoas que perderam quem amam para esta doença, às pessoas angustiadas à espera de um resultado de biópsia, que estes resultados não interessam.

Que o que interessa é o minúsculo, microscópico, embrião. E a sacrossanta doutrina, claro.

Thursday, August 31, 2006

She's back - Fernanda Young


"Cansada da tristeza, ali estava lenta,
apática, com o pó desbotado no rosto.
Nem um poema de gracejo a acalenta,
nem que lhe digam que musa é o seu posto.

Pode tocar até sua música predileta,
enquanto casais dançam a sua graça.
No coração, dolorosa flecha ainda espeta
por um abandono negro como graxa.

Um amor não dói tanto quanto o primeiro,por isso e por minha beleza hei de sobreviver.Senão no rosto dou-me um tiro certeiro.Sobre peles, os seios... Sou eu que devo morrer."

Fernanda Young "Dores do amor romântico"

Wednesday, August 30, 2006

Da saudade que se instala e que vive e que cria um espaço que não termina

E sobre como o refúgio é, também, a única forma de te manter em mim.

«Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo. Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.»

Carlos Drummond de Andrade

GEGO - Museu de Serralves

GEGO28 JUL - 15 OUT 2006

Gego [Gertrud Goldschmit] (1912-1994) é uma artista venezuelana de origem alemã, que explorou os problemas da escultura a partir da intersecção do desenho com o espaço. O seu trabalho começou por revelar a influência do Construtivismo e da Bauhaus, cujas referências são aprofundadas depois de ter conhecido artistas como Naum Gabo e Joseph e Annie Albers, em Nova Iorque, em 1960. Mais tarde, o uso de materiais pobres na sua escultura resultou em séries como Dibujos sin papel, Bichos e Tejeduras que surgem como exemplos de uma combinação original da matriz da abstracção clássica com os problemas da redefinição do objecto de arte que eram característicos das práticas estéticas dos anos 60 e 70. As esculturas de fio e arame de Gego definem um movimento contínuo: os elementos numa composição assumem-se como imateriais. O movimento é assumido como infinito e a sua continuidade é sugerida pelo uso repetitivo de elementos geométricos em estruturas não-hierárquicas.Esta exposição, comissariada por Monica Amor, será a primeira mostra antológica de grande escala da obra de Gego na Europa, decorrendo negociações para a sua possível apresentação em vários museus europeus. A sua apresentação no MACBA de Barcelona já está assegurada.
Comissário: Monica AmorProdução: Fundação de Serralves, MACBA

Visitas Guiadas07 SET 2006 (Qui), 18h30 por Ulrich Loock

Monday, August 28, 2006

fiona 1976-2006

«Change,
everything you are
and everything you were
your number has been called
fights, battles have begun
revenge will surely come
your hard times are ahead

best,you've got to be the best
you've got to change the world
and you use this chance to be heard
your time is now

time is now
don't,let yourself down
don't let yourself go
your last chance has arrived...»

Muse - "Butterflies and Hurricanes" (Absolution, 2003)

Guess who's back! - Fiona and Friends #5 by Lady G

«Man, I see in fight club the strongest and smartest men who've ever lived. I see all this potential, and I see squandering. God damn it, an entire generation pumping gas, waiting tables; slaves with white collars. Advertising has us chasing cars and clothes, working jobs we hate so we can buy shit we don't need. We're the middle children of history, man. No purpose or place. We have no Great War. No Great Depression. Our Great War's a spiritual war... our Great Depression is our lives. We've all been raised on television to believe that one day we'd all be millionaires, and movie gods, and rock stars. But we won't. And we're slowly learning that fact. And we're very, very pissed off.»

Tyler Durden, in Fight Club

(Particularmente relevante no dia de regresso ao trabalho. Digo eu)

Friday, August 04, 2006

Faltam...

343 gargalhadas, 986 saltos para a piscina, 257 banhos de sol, 12 passeios de trekking, 2 tentativas de fazer ski, 57 filmes, 8 barbecues, 23 noitadas, 854 cheiros a maresia, 426 contemplações de vista, 18 jantares, 8 gelados, 13 bacardi lemon, 522 colocações de protector solar factor 60, 54 jogos de volei, 4 livros para acabar (ansiando pelo diálogo imaginário entre nieztche e breuer!), 62 conversas indiscretas, 22 toques de telemóvel codificando "já cheguei", 985 mb de mp3...

Faltam poucas horas para isto tudo.

Adeus computador, adeus sanzala, adeus compromissos obrigatórios, adeus rotina, adeus relógio, adeus trânsito, adeus tricas organizacionais, adeus sapos vivos...

Adeus e até já.

Thursday, August 03, 2006

Eu não diria melhor

«Disse-lhes que não era um homem, que era Maria de Lurdes Rodrigues. Ainda penso o mesmo».

João Cravinho, deputado socialista, lembrando a sua resposta a um pedido da Rádio Renascença para eleger o «homem do ano» de 2005.

Tuesday, August 01, 2006

Hoje sou assim como que...#1


The Godfather

Calo: In Sicily, women are more dangerous than shotguns.

Porque já não há pachorra para dar a outra face.
E, cá se fazem, cá se pagam.
Don't fuck with the bad side of me. Don't fuck with a bad side.


The OST for this post is The Godfather's Theme - feat. Slash

Fiona Bacana recomenda #5



Candy (2006)

Com Abbie Cornish, Heath Ledger e Geoffrey Rush
Realizador: Neil Armfield

Sinopse:
Candy é uma jovem e talentosa pintora, enquanto que Dan é um promissor poeta. Eles apaixonam-se assim que se conhecem, divindo também a dependência por heroína. De início Candy e Dan sentem viver no paraíso, mas a falta de dinheiro faz com que eles retornem à realidade. Candy torna-se prostituta, com o consentimento de Dan. Para afirmar a sua união eles decidem casar-se, mas a dependência das drogas afecta cada vez mais a sua felicidade. Até que Candy, cansada de viver no caos, decide internar-se numa clínica de reabilitação e largar de vez as drogas. Só que ela não esperava a reacção que sua actitude provocaria em Dan...

Monday, July 31, 2006

Do Líbano

Não vou falar. Não vou sequer emitir opinião sobre quem tem razão, porque Israel são os Estados Unidos do Médio Oriente e o Hezbollah é um conjunto de bandalhos terroristas, cheios de sangue nas mãos. Por mim, já disse: era a enfiá-los, Governo e Radicais israelitas, mais os membros do Hezbollah todos numa vala e deixá-los lá. Até se matarem uns aos outros e não restar mais ninguém para matar civis impunemente.

Sensibilizou-me a entrevista de uma portuguesa que já andou pela SIC Notícias a dar o outro lado do exílio de quem vivia no Líbano. Acho que é um relato equilibrado que deita abaixo uma data de mitos e, coisa rara nos comentadores, de quem viveu aquilo de que fala. Aqui vos deixo...

«Léa, a filha de cinco anos, chorou muito ao despedir-se do pai num dos cais de Beirute. E a mãe então inventou uma história. Explicou-lhe que tinham muita sorte porque iam apanhar um paquete enorme «numa odisseia fabulosa» pelo mediterrâneo. A viagem durou 12 horas, antes de seguirem num Hercules C-130 para Portugal. No fim, Léa disse que tinha visto sereias no mar. Desde a semana passada que uma ponta da família Arbidja está no Estoril e a outra continua no Líbano. Carolina, a mãe, está pessimista. «Infelizmente, tenho a impressão que vai demorar muito tempo até poder voltar para casa».

Estava a trabalhar quando começou o ataque ao Líbano?
Na noite anterior aos primeiros ataques, no dia 13, deitámo-nos um pouco preocupados com as notícias. Acordámos por volta das cinco e tal da manhã. Tinham bombardeado o aeroporto e também o sul do país. Aí começou o clima de pânico na cidade. Mas fui trabalhar. Sou directora de uma creche.

Os pais deixaram as crianças na creche, apesar das bombas?
Só apareceram 14 crianças. A creche fica a dez quilómetros do centro de Beirute e eu ouvia os bombardeamentos ao longe e os aviões a sobrevoar a cidade. Temos uma casa na montanha, a 40 minutos do centro de Beirute, e fomos para lá. Houve uma corrida doida aos supermercados e à gasolina.

Quando decidiu vir para Portugal?
Tenho nacionalidade francesa - a minha mãe é francesa - e comecei a receber mensagens de telemóvel do consulado francês. Pediram para nos inscrevermos nas listas de evacuação. O meu marido esteve no Líbano durante os 15 anos de guerra e achou melhor nós sairmos.

O que é que o seu marido faz?
É responsável pelo departamento internacional de um banco. As operações ficaram num caos. Se o meu marido saísse de lá, podia não perder logo o emprego, mas estaria sujeito a sanções.

Ele não se sente marcado pela longa guerra anterior?
Como todos os libaneses. Quando cheguei ao Líbano, os sírios estavam lá e dominavam o país. Eles diziam: «Maleich, não faz mal». O simples facto de estarem em paz fazia com que deixassem para trás muitas coisas. Havia o irmão que morreu na guerra, a casa que foi bombardeada 20 vezes. Os detalhes não importam. Sente-se uma fúria de viver.

Dizem que Beirute é a capital nocturna do Médio Oriente.
Sai-se até muito tarde. Talvez não tanto como aqui, mas existem três quarteirões só com boites, bares e restaurantes.

Mesmo sendo a maioria da população muçulmana?
Neste momento, há mais muçulmanos do que cristãos, mas não é uma maioria esmagadora. São talvez uns 65 por cento.

Mas bebem álcool como os outros?
O meu marido é católico, mas temos muitos amigos muçulmanos e todos bebem álcool e comem carne de porco. Há muitos tabus que são fingidos: uma rapariga diz que vai dormir a casa de uma amiga. E os pais não fazem perguntas porque é melhor fingir que não se sabe. Tenho um grande amigo «gay» que esteve há dois anos de férias no Líbano. Pedi-lhe para me explicar como é que conseguia conhecer alguém. E ele disse-me: «Não te passa pela cabeça o número de ‘gays’ que há em Beirute».

Já era assim quando chegou a Beirute há seis anos?
Sim. Aliás, as libanesas saem à rua muito mais decotadas do que eu. À noite, andam praticamente nuas. A única mudança que senti é que vejo também mais mulheres tapadas. Soube há pouco tempo que o Hezbollah sustenta 39 mil famílias no Líbano. Dá 1500 dólares por mês a cada uma delas. O Hezbollah é um estado dentro do estado e tomou proporções gigantes. Tem escolas, hospitais.

Como conheceu o seu marido?
De férias, em Beirute. Tenho duas grandes amigas que são libanesas e que estudaram comigo em Lisboa, no Liceu Francês. O meu marido é um grande amigo dessas minhas amigas e, então, conhecemo-nos lá. Devia ter ficado três semanas e acabei por ficar dois meses e meio.

E a falta de igualdade entre sexos?
Existe, mas tenho a sorte de ter um marido muito europeu.

Os seus filhos são libaneses?
Os meus filhos são cidadãos do mundo. É assim que os quero educar. A minha filha está numa escola francesa no lado muçulmano da cidade. Estou convencida de que ela tem de estar ali. Aquele é o país onde ela vive, um país de todas as religiões. A constituição do Líbano diz que o primeiro-ministro tem de ser muçulmano sunita e o presidente tem de ser cristão maronita. Ainda não se fala de partidos. As pessoas são identificadas de acordo com a sua crença religiosa.

Participou nas manifestações do ano passado contra a Síria?
Sim, apesar de ter sido fortemente desaconselhada a não participar. Não vou dizer que foi por me sentir libanesa, porque não me sinto, mas fi-lo pelos meus filhos. Para que o país mudasse.

A culpa da guerra é dos israelitas, do Hezbollah, da Síria ou do Irão?
Acho que, infelizmente, é a guerra dos outros que está a ser feita no Líbano. Esta não é a guerra do Líbano. Para mim, os prisioneiros israelitas são uma desculpa. Não é razão para se bombardear um país.

Tem tido momentos de sobressalto desde que chegou a Portugal?
Cada vez que ouço um avião a passar continuo a achar que vamos ser bombardeados. Ainda agora saímos de casa e havia um incêndio e a Léa perguntou se era uma bomba. Nos primeiros dias, não lhe disse o que se estava a passar. Não queria que ela, com cinco anos, fosse confrontada com a ideia da guerra. Mas ao fim de dois dias ela perguntou-me porque é que tinham batido no aeroporto. Então eu expliquei-lhe que havia um país que não se entendia muito bem com o Líbano e que esse país se chama Israel.»

In Expresso

Friday, July 28, 2006

Quote of the day

«Things have dropped from me. I have outlived certain desires; I have lost friends, some by death… others through sheer inability to cross the street.»

Virginia Woolf - The waves (1931)

Thursday, July 27, 2006

A Paixão de Pedro

"Pessoal e intransmissível" na TSF é a minha versão de telenovela. Não no sentido pejorativo do termo, mas porque me acompanha à mesma hora (quase) todos os dias. Aqui ouvi histórias de gente fantástica, narrativas e visões do mundo que sempre (ou quase sempre) me impactavam.

Em meses de férias, há as repetições. E ontem foi dia da repetição da entrevista de Carlos Vaz Marques com Pedro Paixão.

Confirma-se: o homem, o Pedro, é uma besta. E, embora seja o meu escritor preferido, não é de todo em todo brilhante. Mas é deliciosamente patológico. Para confirmar aqui.

Wednesday, July 26, 2006

MICRO-reconhecimento





E a Maria leva-se muito a sério?
Não é que me leve muito, muito a sério. Levo é a vida e as coisas de forma demasiado séria. Mas essa é uma tónica de quase todos os humoristas.

Sofrem muito com a vida?
Acho que sim. Não é por acaso que o John Cleese, dos Monty Python, teve, a páginas tantas, um problema psicológico. Chegou a escrever um livro a contar os episódios das terapêuticas por que passou, onde contava o que é ser um cómico e estar perturbado psiquicamente.

Identifica-se com essa perturbação?
Para se chegar ao lado mais risível e engraçado das coisas, é preciso ter um olhar muito sério, dramático e objectivo sobre a vida. Um olhar invasor, perturbador, político. E, às vezes, um bocadinho ditador.

Sempre ambicionou ser humorista?
Sim. Foi sempre o meu sonho. Nos anos 90 esta profissão não era muito bem vista, agora é que está na moda ser actor por causa de produtos como os «Morangos com Açúcar». Eu achava que era um luxo desejar esse caminho. A sociedade ainda só valorizava quem lutava por um curso, um canudo. Eu só fui para o conservatório porque por uma décima não entrei em Direito. Achava que ia para ali um anito, tirar gosto, mas depois voltaria para a minha vida normal que era seguir Direito.

É uma pessoa triste, por detrás dos sorrisos?
Acho que sou. Muito melancólica. Nostálgica.

Maria Rueff in Única

Thursday, July 20, 2006

The thing with men and cotton

A propósito da mais recente exibição de foleirismo pindérico-rústico da estrela de Fundão e Montijo, essa tal de Ana Malhoa, veio a discussão, entre um café ao final do dia e um jb para aquecer, sobre a linha frágil que separa o que é ser sensual do que é ser porno-foleiro.

Pela amostra, as mulheres são unânimes em afirmar que a exibição da pequena foi mais a puxar para o porno-foleiro do que para o sexy. Os homens, esses, concordam. Porém...(e se não existisse um porém não havia este post), alguns foram capazes de admitir que ainda assim gostaram de ver. Não sabem porquê - ou não souberam explicar porquê - mas algo os impelia para ver a coisa.

É evidente que há quase qualquer coisa de animalesco, pulsão chamava-lhe Freud, que os puxa para aquilo. E a pergunta seguinte foi: gostavas de ver a tua namorada naqueles preparos?

Resposta (mais ou menos) colectiva: se fosse só para mim, gostava.

E eu relembrei antigas discussões sobre o porquê da atracção quase animalesca dos homens por lingerie, ao ponto de serem capazes de entrar numa loja de lingerie feminina e comprarem para as suas respectivas (ou para as segundas respectivas, aka, "amantes"). Ao ponto de conseguirem dizer que "falta qualquer coisa" quando contemplam uma mulher nua (ao qual os "mais machões" se apressaram a dizer que nua também vale, não há problema!).

Há algumas peças de lingerie que têm, efectivamente, bom gosto. Outras, parece que nem sequer são feitas para mulheres, parecem muito mais marketizadas para que as mulheres interiorizem a necessidade que os homens têm em vê-las com aquelas peças de roupa(?) interior.

Mas percebi, graças a um comentário de um sempre sapiente ser nestes domínios: algodão usamos nós! Gostamos que elas usem lingerie, e quanto mais sofisticada melhor, porque é um universo ao qual não temos acesso. Precisamos, como parte do processo de conquista, de sentir que é algo exterior a nós.

E pronto, parece-me que é esta a coisa dos homens (as generalizações têm sempre problemas) com a lingerie: remete-os para um universo com que estão habituados, desde putos, a sonhar. E tirar a parte do imaginário ao processo de conquista/sedução/relação sexual...

Dear boy toy

«In the sunset of dissolution, everything is illuminated by the aura of nostalgia, even the guillotine»

Jonathan Safran Foer in "Everything is illuminated" (2002)

Deixa que a atmosfera com que me olhas se dissipe. Nostalgia de parte a parte é nostalgia ao quadrado, mas não é um no outro que a desejamos. Procuramos, mas não encontramos.
Se isto implica o fio da navalha, pois que seja. Mas saibamos que a aura da nostalgia um dia desaparece, e qual de nós fica com a cabeça na guilhotina?

Like the deserts miss the rain

«Não deve haver um quilómetro quadrado que não esteja urbanizado (nem que na forma de jardim). Não há canto onde não habite gente. A noção de isolamento é coisa que ali não mora. Há túneis e pontes de ligação a "terra firme". Mas não deixa de ser... uma ilha. Manhattan não é sinónimo de Nova Iorque. Mas raros são os visitantes por meia dúzia de dias que se aventuram para lá da ponte de Brooklyn. Menos ainda os que passam por Queens, isto para nem falar no Bronx ou Staten Island.Manhattan é um mundo cheio de acontecimentos, histórias, gentes e edifícios para descobrir nas avenidas longitudinais, nas ruas transversais, a Broadway a destoar.

E a caracterização humana e funcional dos pequenos "bairros" nunca nos deixa a sensação de estar perdido. Lower Manhattan, a zona financeira, veste bem entre prédios altos com muitos escritórios e bancos. O Soho e Tribeca usam casas com ferros do final do século XIX e não escondem um gosto antigo pelas artes plásticas, tantas são as galerias que ali moram. Em South Seaport quase respiramos a memória da velha ilha colonial, veleiros a olhar para a Brooklyn Bridge, ao lado de um cais habitualmente inundado por turistas. O Greenwich Village respira uma placidez em casas georgianas de três andares que não se imaginam numa cidade onde, ruas acima, estar num 40.º andar não é surpresa. Ao lado, o East Village respira os ecos de muitas comunidades de imigrantes ali instaladas desde o século XIX, a mais famosa a chinesa (todavia, na ressaca do 11 de Setembro, muitas foram as famílias que dali se mudaram para outros bairros, levando consigo os seus restaurantes).


O Theatre District, em redor da Broadway, vive a luz e a cor do espectáculo, com paroxismo numa Times Square hoje com ares de Tóquio. Upper Manhattan alberga os colossos de mais de 70 andares. Depois o Central Park, verde a meio, museus e apartamentos chiques de ambos os lados. O Harlem e marcos centenários da cultura afro-americana, mais acima, depois da rua 110.Manhattan é movimento e diversidade. Da tranquilidade de uma sesta nos relvados não muito longe da Fountain of Bethesda, no coração do Central Park, ao olhar panorâmico no 102.º andar do Empire State Building, de um Pollock no MoMA a uma noite de música no Carnegie Hall, de um vinil de colecção numa das muitas lojas da Bleeker St. a uma tarde de patinagem no gelo frente ao Rockefeller Center, da elegância suprema do Gughenheim de Frank Lloyd Wright ao pimba chique da Trump Tower, de um café rápido num Starbucks a uma visita à cascata de gente na Grand Central, há vida. Se aos lugares juntarmos as gentes, rapidamente percebemos porque a canta Lou Reed, a filma Woody Allen, a escreve Paul Auster.»

Nuno Galopim in DN

Wednesday, July 19, 2006

Wishful Thinking

Turkey









and Summer Rain....

Foto: Blue Mosque - Istambul
The ost for this post is "I'm only happy when it rains" - Garbage

Tuesday, July 18, 2006

"Tem andado gente à tua procura"

Agora, vem de volta que eu seguro,
Tens andado longe demais de ti
Deixa que os teus bons braços te larguem
Para que os teus bons sonhos te levem
Deixa que os teus bons dias te lavem
Sem perguntar para que servem ...

SuperNada - Tem andado gente à tua procura

Foto: Parada do Bouro - Gerês

"Novos planos para fugir" (*)


Sorilhal
Gerês
(*) Supernada

Monday, July 17, 2006

In the arms of the angel...1992-2006

O céu tem agora uma nova estrela.
Uma que brilha directo sobre os lugares onde sempre esteve, onde me recebeu com aquele olhar com o qual só ele sabia receber-me. Um olhar de aceitação incondicional. Não interessava como estava, dele só recebia tudo o que ele tinha para dar.

Foi uma lição de amor incontestado.

Nem vou perguntar-me onde estarás, porque alguém como tu só pode estar onde fica quem brilha na vida como tu o fizeste.

Consola-me apenas ter feito tudo o que era humanamente possível por ti, pela tua vida. E até no momento de dizer adeus, foste um herói, poupando-me a uma tomada de decisão que tem tanto de amor pleno como de dilacerante.

E eu só tenho de olhar para o céu, cada vez que este vazio se instalar quando não conseguir vislumbrar o teu movimento, a tua matéria.

O céu tem uma nova estrela e que brilha mais do que todas as outras. E o nome é Mozart.

You’re in the arms of the angel
May you find some comfort there
Sarah McLachlan - Angel

Wednesday, July 12, 2006

News from the cold #2

the sky is grey, the sand is grey, and the ocean is grey.
i feel right at home in this stunning monochrome, alone in my way.
i smoke and i drink and every time i blink i have a tiny dream.
but as bad as i am i'm proud of the fact that i'm worse than i seem.
what kind of paradise am i looking for?
i've got everything i want and still i want more.
maybe some tiny shiny thing will wash up on the shore.
you walk through my walls like a ghost on tv.
you penetrate me and my little pink heart is on its little brown raft floating outto sea.
and what can i say but i'm wired this way and you're wired to me,
and what can i do but wallow in you unintentionally?
what kind of paradise am i looking for?
i've got everything i want and still i want more.
maybe some tiny shiny key will wash up on the shore.
regretfully, i guess i've got three simple things to say:
why me? why this now? why this way?
overtone's ringing,undertow's pulling away under a sky that is grey on sand that is grey by an ocean that's grey.
Ani DiFranco - "Grey"

Supernada

O paradoxo sempre tão presente no que já foram os Ornatos Violeta, subliminal nessa má ideia que foram os Pluto.

Manel Cruz está de volta. Hard-Club e Santiago Alquimista (e, mais tarde, Serralves by night) foram os palcos onde os Supernada apresentam algo de muito familiar...uma espécie de Ornatos, versão Monstro, com temperos um pouco mais sofisticados.


A reter, numa primeira análise: "Novos planos para fugir", "À tua procura" e "Sempre meu". Entre outras, muitas outras, em fase inicial de digestão.

E, aproveito agora para completar com a versão oficial e não projectada:

«Sempre medo de perder, mas perder o quê... quando só nos vemos quando mais alguém nos vê...» (Sempre Meu).

Tuesday, July 11, 2006

News from the cold

God bless text messaging. God bless headphones.

If it wasn't for technology, I wouldn't have the possibility to be away without staying away. Therefore, I wouldn't have the scarce last drop of humanity that I still have. One day I heard about human credentials. Oddly enough, I sat and listened.

Human credentials are the few people that remain when you're in the cold contagious style for too long. They seldom complain. They don't give you a hard time. Most of them don't even understand what the hell you're doing with your life. The others that actually understand, just don't give a fuck. That's reasonable, let's face it. You get what you give and that goes without saying. But anyhow, human credentials are the ones that remain with you for whatever reasons (being cute and well-related is not one of them) and people look at them when they are with you, and go like: "how the hell is she/he with her? Someone so bla-blabla-blablabla with her...".

I've got some human credentials. But they don't seem enough to get my humanity back. I'm not polite anymore. I can't answer phones anymore. Social contact is increasingly becoming more difficult to play along. When your all-time best friend, who has been away uncontacted for almost 5 months and you can't even bother to pick up the phone when he calls, something's wrong. Something's really wrong. This cold contagious phase is spreading and my concept of having a good time is now being alone, away from social interaction. With few exceptions, because the world doesn't allow you to do it.

Don't i feel blessed for the ones I met? Yes, I do. Is it enough? No, it isn't.

I've chosen my path. The path of the sheep, fed by the illusion that you can balance things. I could choose a future different from your past. But now that I've turned my back to it all and the tables have turned, you ask yourself: what the fuck for?

This isn't what I signed up for. And certainly not for the dark place that it leads to.

By myself and unable to reach out. Maybe that's just another phase. So I get along blasting demons with my headphones and text messaging when I can find that will to reach out.

Awkwardly enough, since by now i should already be sick of myself, shouldn't I?

The OST for this post is "Welcome to" by Ani DiFranco
it's quiet here except for this song
now that everybody's gone
but hey
(at) least you don't have to play along today...